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A minha geração?
– A nossa geração, amor.
De fato soa um tanto áspero, intragável até. Mas que geração? A da primeira década de 2010? Que virará história? E quem irá contá-la? A partir de que paradigmas?
– Comece, amor.
A minha geração caricaturada, a minha geração lipoaspirada, a minha geração bottox, a minha geração big brother, a minha geração cooptada, a minha geração desbotada, a minha geração desencarnada, a minha geração siliconada, a minha geração despolitizada, a minha geração pós-pós-pós-tudo.
– Coragem, amor…
Olho pela janela do Branco do Olho, uma imagem regionalista (se estamos em São Paulo, quando falamos de urbano, de metrópole, também não seria um tipo de regionalismo?) de um jumento manco; uma cela corroída, possivelmente, pela maresia; uma viseira restringindo o campo de visão; o olhar focado em um horizonte de prévio destino; a carroça enguiçada; o pequeno ruído de madeira rangendo em madeira. Manco como uma geração de viseiras aparentemente inexistentes (viseiras invisíveis), de ruídos formatados em sussurros surdos. Olhar para trás e não se reconhecer – nem dentro, nem fora dessa paisagem pitoresca. Porém, ainda assim, ter a certeza de que faz parte e, mais que isso, de ser parte inerente.
– A geração se apaixona quando se conhece, amor. Por isso se esquiva. Foge do amor. Leonilson não concluiu sua lição sobre amar… O amor o desconheceu.
Ele não conseguiu mudar o mundo (?). Mas o mundo conseguiu mudá-lo (?).
– Leonilson não tentou mudar o mundo, amor. Apenas quer que acreditemos que tentou tão verdadeiramente, assim como nós queremos acreditar que tentamos mudar o mundo nós mesmos. É uma mentira autolegitimatória e condescendente. Mais fácil fracassar mediante tentativa do que fracassar por imobilidade. “Falhar melhor” como lema do mundo e da arte é o que temos dito uns aos outros enquanto afago. Passar a mão na cabeça e aliviar a tensão. Incapacidade de lidar com a dor: e o dorflex sempre à mão. Mas isso não é amor…
Leonilson ensinou a lidar com a morte (?). Talvez, por isso, sem termos esperanças de mudar o mundo, já projetamos seu corpo defunto. Sem coragem de suicidarmo-nos, às vezes matamos os outros. Colecionamos os gritos dos coitos que interrompemos traumaticamente. O trauma somos nós.
– Para onde foi o gozo, amor?
Virou tempo tântrico. Exercício de economia de energia de pulsão vital. Mas é pelo gozo que o tempo tem se feito presente. É assim que ele é medido em sua desmesura, pelo palpitar de seu coração. O coração do tempo.
– O coração, amor…
A perna se abre, escancara-se com ódio.
– Onde está o coração, amor?
A vontade é de abocanhar com a vulva.
– Amor.
O mundo. O mundo de Leonilson – ele, sim, defunto. Mas vivo. Comestível e saboroso como o presunto que é. Eu quero superar o trauma (?).