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Querido,
Te escrevo enquanto te olho.
Sem dúvida essa frase ressoaria como mais uma intencionalidade clandestina à original na boca de nossos camaradas de imersão, tendendo a uma libidinosidade infundada, mas saudável, afinal essas foram gargalhadas que nos aproximaram.
Te olho sem que me perceba e te observo, traços e tiques. De alguma forma, tua imagem de urso marxista de luta me estimula o contraste.
Hoje pensei muito sobre tua escolha: a História da Arte Brasileira.
Esses dias ouvi atentamente teus longos discursos lúcidos e convictos sobre o modernismo brasileiro, sobre Hélio, Antônio Dias, Waldemar – ícones já perpetuados por nosso pequeno circuito e além dele – e te escutei com a admiração de quem desconhece tantos meandros e com a inquietação de quem prefere não se apoiar na história oficial ou mesmo a história eleita do ícone.
Entre essas idas e vindas, hoje em especial me surpreendi.
Primeiro, porque, no almoço, você abriu a geladeira em busca da salada, atitude esta realmente discordante de tudo que pregou a respeito de sua própria pessoa (e isso é genial – como diria você); segundo, porque talvez hoje eu tenha entendido sua real opção por historicizar.
A pergunta bem argumentada que nos fez hoje à tarde – afinal quem é essa geração à qual nós dizemos pertencer e como ela se reconhece? – ecoou dentro de mim mesmo durante o passeio noturno pela Rua da Moeda. Por quem vamos esperar para escrever nossa história?
Compreendi que, apesar da diversidade e da dispersão orgânica de nosso movimento, a síntese se faz necessária quando se pretende marcar a arqueologia de nosso futuro. E, como você defendeu, talvez melhor que nos saibamos dizer agora, antes que a poeira se registre como glória.
Agradeci por tê-lo conosco.
Acendeu uma fagulha de expectativa de que uma história endógena se construa e de que possua interlocutores ativos e resistentes, assim como sua luta armada.
E daí a minha insistente inquietação: como conquistar o perfil do que consideramos a nossa geração, sem perder a coesão do tempo real e de muitos?
Martela e martela e mais pensamentos pela noite adentro…
Um beijo, com o carinho da luta,
Mai.
P.S.: ainda precisamos avançar na referência para além de São Paulo.