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Poucas são as frustrações maiores do que esta que agora sinto: a de ser o inimigo do (anti)herói que para nós foi construído – e construímos. Não são poucos os fatos que me fazem pensar que somos a merda da diarreia apontada por Oiticica, e a perspectiva de uma apenas longínqua descarga em nada diminui o peso do fardo. Mesmo diluído entre todos nós, o fato persiste.
Há que se dizer que nela há mais matéria que cheiro: a merda só se faz no toque (da mão, da água ou do cu). Antes dele, tudo é digestão. Somente na proximidade do ambiente cagado é que nos percebemos dejetos: sobras dos heróis e seus combates, de suas armas e escudos. Eles nos tomaram tudo! O herói está nu.
Há gula no passado. Comeram entradas, pratos principais e sobremesas. Esconderam o cardápio e cá nos deixaram, com fome. Sem comer, cagamos mole. (e nunca falta o quê pôr para fora). Com pouca água e pouco pão, a merda é quase vento: espirra em todo lugar. Contamina; mas pouco faz feder – sem alimento, não há digestão e não há cheiro.
Antropofagicamente, tudo foi comido. E nós não aprendemos a caçar.
É assim que, inimigos de nossos heróis, vamos aprender a enterrá-los. Somente a partir de seu sepultamento teremos ossos suficientes para o cozido de amanhã:
Enfiar o dedo goela adentro e assim, como se fosse um papel, dobrar o sistema digestivo. Uma dobradiça já conformada pela quantidade de vezes que abriu e fechou. Como o cu de onde saímos e adentramos. Uma dobradiça nitidamente vincada. É preciso agora amassar, desorganizar. Não para chegarmos a um cocô consistente, mas a um cu sem pregas, cu disforme, cu que não seja meramente um espanta-bosta. Que, antes disso, possa operar uma desestratificação (e não diluição) da própria merda. Como uma feijoada – ou merda – enlatada.