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A proposta inicial para este texto era elaborar uma auto entrevista explicando o que é o coletivo e como ele se estrutura. Ao percebermos que a própria discussão já supria muito do que queríamos falar e ocupava muito além do que nos foi oferecido por esta revista, percebemos que seria mais interessante apresentar este excerto da conversa dos integrantes do coletivo Beco da Arte, realizada da meia noite às cinco em mais uma típica madrugada paulistana. Confira a íntegra desta autópsia coletiva em www.quandonaodormimos.wordpress.com
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– hoje o Beco da Arte é formado por sete artistas visuais de diversas áreas de atuação. Atuamos com três eixos básicos: a editora, que fomenta as mídias impressas e escritas; o espaço expositivo, que fomenta um espaço a novos artistas; o coletivo, que produz trabalhos para contextos específicos.
– penso na editora não somente como fomentadora de trabalhos em mídias impressas e escritas, mas sim como a produtora dos convites e demais materiais gráficos, que também atinge o meio virtual, como os blogs e etc. Quanto ao Espaço Expositivo, ele não é somente para novos artistas; vide o ciclo de palestras do 4º Espaço Expositivo, que foi composto por artistas já maduros e mais conhecidos que debateram conosco com uma postura sem hierarquia.
– como o beco se configura? Penso na configuração material do coletivo, que somos nós mesmos. Como fazer com indivíduos que não estão presentes? Não trabalhamos muito bem com o afastamento de alguns membros. Por exemplo: quando o projeto gráfico foi deixado de lado, outra pessoa tomou pra si a função e isso a incomodou. A partir disso nos vemos num mato sem cachorro, gerando reuniões particulares, que viram coletivas para readaptarmos as funções. Proponho então pensarmos na nossa configuração, quem é que faz o coletivo Beco da Arte?
– eu concordo com esse ir e vir, isso é o coletivo penso eu. De quem é esse coletivo? Estamos reunidos pra nos promovermos individualmente? É melhor repensarmos essa configuração, mas agora não é o momento, isso é um outro passo.
– concordo, o momento agora é de afirmar que não precisamos mais ter individualidades, não somos sete, não somos dois, somos um coletivo.
– ok, mas para chegarmos nesse ponto, temos que entender se temos mesmo essa heterogeneidade e se concordamos com isso.
– vamos definir se somos indivíduo ou coletivo; vamos definir para explicitar dentro da resposta. Configurar não é só o que temos que discutir, temos que refletir o que forma o corpo do beco e o que gera potência quando abrimos nosso trabalho a outras pessoas. E não discutir quem produz os trabalhos do beco.
– acredito que em nosso coletivo os indivíduos são finitos e o espaço/projeto é eterno. Não é cada indivíduo que faz o beco hoje, esse espaço que falo é aquele para além do espaço físico. Ele é mutável, pois se configura a cada trabalho produzido.
– eu acho que o que você quis dizer é que daqui há uns três anos pode não haver nenhum de nós ou haver, mas esse espaço do beco, que acontece só no espaço-pensamento, ainda será existente.
– eu concordo até certo ponto. Por exemplo, o coletivo só é um coletivo se tem indivíduos. Ele se estruturaria de outra forma se fosse composto por outros que não nós. Excluir a individualidade no coletivo é uma linha muito tênue, porque se não fosse composta do jeito que é não teria essa configuração e não provocaria como provoca. Por isso você pontua que é infinito, porque a cada soma de outro indivíduo e a cada ausência, o beco se configura de uma forma diferente.
– nos formamos ao trabalharmos e ao mesmo tempo formamos as pessoas que nos acompanham. Elas sentem necessidade de pensar o que produzimos. Quando sairmos do beco elas poderão continuá-lo, ou seja, enquanto ideia primeira sempre poderá haver a experimentação como base.
– então, a formação indica que autorizamos outra pessoa a assumir a construção do beco, pois já vem de um processo de conhecimento, de discussões sobre o que é o espaço a partir da convivência.
– beleza, nós sete tomamos a frente das produções, porém elas não acontecem sem esse outro que também se forma. Essa interação às vezes é falha e às vezes é maravilhosa. Penso que o coletivo EIA (Experiência Imersiva Ambiental) tem seus 30 integrantes, mas apenas 12 elaboram proposições para as produções, e os trabalhos só acontecem quando integram o público, e assim o público forma o EIA e o EIA se forma.
– eu não sei se concordo com essa coisa do público integrar o coletivo. Eu entendo quando o beco não é formado pelos sete, mas não é o público que toma as decisões. Isso ainda me soa como um tipo de marketing, pois somos nós que estruturamos tudo. Querendo ou não, falar do Guilherme é fácil, pois ele é completamente presente e participativo no beco. Mas, tivemos nesse semestre a situação com o Felipe, que quis adentrar as produções do coletivo, porém não soubemos lidar com ele. Por isso não podemos falar que o beco é todo mundo.
– eu concordo discordando, pois o nosso trabalho não nasce em nós e não morre em nós. Nasce das conversas com os outros. Por isso vamos além da instituição. Pregamos uma tentativa de democracia, na qual propomos que as pessoas tomem as decisões. Isso acontece ao levarmos os trabalhos para debates públicos que promovemos e inevitavelmente as questões acabam se modificando. Eu acho que o beco se difere de alguns espaços de São Paulo. Na verdade acredito que ele é um espaço realmente aberto, que demonstra seus erros e acertos, tentando discutir coletivamente suas propostas.
– o beco passa a existir porque não se ensimesma, pois se nutre das discussões para gerar uma nova. A partir das divergências cria-se um embate, um combate, daí vamos a público gerar questionamentos e não esclarecimentos.
– acredito que o beco exprime muitas inquietações que partem de vários outros estudantes, artistas e etc. O beco se torna coletivo porque os trabalhos surgem dos encontros que causamos ou que vêm por acaso. Numa visão particular, acredito numa democracia completa, parecida com o anarquismo socialista de Bakunin. Penso que tudo que fazemos já está sendo pensado e/ou sentido por outras pessoas.
– quando você falou em democracia, pensei na possibilidade de se uma galeria de arte nos convidar para nos representar, não sei se seria bom ou ruim, mas sei que deveríamos fazer disso um trabalho. Poderíamos criar um debate público sobre ir ou não para uma galeria, formar uma banca, com defesa e acusação, assim todo esse debate chegaria a uma conclusão se o beco iria ou não participar. Aí sim, seria a minha ideia de democracia completa.
– quando disse democracia pensei num processo aberto para nutrição. Quando você fala da galeria, é o ato de se abrir ao debate. É discutir uma democracia, uma falácia que não existe, uma democracia utópica. Acho isso particular do jovem, acho que essa democracia utópica é o que o beco faz.
– eu me incomodo um pouco talvez por ver as coisas de uma forma extremamente burocrática. Penso no que entendi quando a Adriana falou sobre o mártir da arte – eu me doo porque gosto, não quero me vender, não quero me comercializar. Dessa forma, quando falamos de democracia e etc., é se isentar de muitas coisas. Nós nos doamos para criar todas essas possibilidades, por isso não adianta democratizarmos tudo, porque se não fosse pelo nosso trabalho, não teríamos um público.
– as pessoas sabem quem está fazendo as coisas no beco. Quando a gente produz, criamos uma plataforma inicial e abrimos os debates. E essa atividade nasce a partir do que aconteceu anteriormente com outros trabalhos.
– então quer dizer que quando falamos em democracia, falamos da questão de abrir o espaço do beco com o objetivo das pessoas compartilharem conosco energias, comentários, críticas, para que possamos pensar. E a questão não é sobre ser um mártir da arte, porque todos nós queremos viver disso… Da maneira que for. É a única oportunidade que temos na vida de darmos tudo de si e sermos audaciosos, mesmo tendo medo de encarar. É o único momento que você acredita sem ter que se preocupar se vai cair ou não.
– voltarei à discussão sobre nossos trabalhos serem sequenciais e serem nascidos de encontros. Darei alguns exemplos práticos: a publicação da exposição Noves_Fora nasceu com o Sergio e a Luciana, que pensaram o catálogo como parte da produção; a formatação do 4º Espaço Expositivo, que já era uma inquietação nossa, nasceu a partir do contato com o projeto da Luiza e do Roberto e também quando o Maurício nos indicou o edital de Criação Literária da Funarte, o qual fez surgir o projeto Percursos Narrativos.
– como articulamos esse monte de coisas que surgem no caminho de nossas produções? Prefiro exemplificar: analiso que o 1º Espaço Expositivo veio sanar a questão particular do coletivo de expor seus trabalhos individuais. No 2º convidamos outros artistas. Assim, quando entrei no beco, propus que abríssemos um edital (3º) a fim de fazer uma exposição de artistas que não conhecêssemos e que estivessem numa situação parecida com a nossa. Quando fizemos a Noves_Fora convidamos outros artistas que nos interessavam. E o 4º Espaço Expositivo veio da tentativa de se pensar num modelo que não delimitasse nossos desejos artísticos. Ou seja, uma insatisfação gera a outra.
– o espaço do beco não é o coletivo beco, é a soma de todas as instâncias do circuito da arte. Ele em si é seu próprio circuito de arte. Isso é um trabalho de arte, a gente assume esse circuito e os pormenores que formam esse circuito.
– o beco cria o seu próprio dispositivo e é o dispositivo em si mesmo, porém acredito que somos mais que um dispositivo, o beco é uma plataforma. É uma necessidade necessariamente necessária.
– quando eu fiz anteriormente meu comentário e você falou aquilo, o fato é que não importa o meu nome estar ou não nos trabalhos do beco. Só não podemos nos isentar do mérito de criar esse dispositivo e deixar o público manejar isso. Nós precisamos entender e distinguir o que é o coletivo.
– eu vejo pelo contrário. Não estamos nos isentando, não precisamos assumir essa produção, mas as pessoas também podem assumir. A gente não pode simplesmente se eximir porque queremos que as pessoas assumam. Ou seja, falar isso não é uma questão de marketing porque nos autoentrevistamos, é uma autoanálise do beco, uma autópsia.
– calma gente, por que agora não propomos uma pergunta e continuamos pensando juntos?
– no contexto atual, por que as ações que propõem alternativas para produção/circulação de arte ainda são importantes?
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Referências