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Falar de pintura nos tempos atuais pode ter duas faces, uma enfadonha e outra inovadora, pois ora oassunto é antiquado, ora é uma jóia atemporal à espera do redescobrimento.Por sorte,os fatos não são nem uma coisa, nem outra.
É notório que a pintura teve mortes e falências decretadas ao longo do século XX e, para compreender por que surgiu essa noção de ‘morte’, é preciso voltar uns 150 anos no tempo.Mesmo que corra o risco de ser rasteira, tentarei fazer esse retrospecto em poucos parágrafos.
O primeiro golpe na soberania da pintura como principal meio de representação da natureza até o século XIX,foi o advento da fotografia. Porém, enquanto que a função meramente representativa da pintura se enfraquecia, o suporte da tela começou, poucas décadas depois, a prestar-se para experimentações das vanguardas modernistas que buscavam novas possibilidades figurativasadiando-se, assim,a tal morte anunciada.
Contudo, é no final dos anos 1960, com a segunda onda vanguardista,que a pintura irá se tornarreferência de conservadorismo, uma vez que a tela não mais dava conta de tudo o que se queria pesquisar – e questionar. A arte se tornava política e filosófica, apresentada num campo expandido além do suporte objetual,num período marcado pela produção de obras tecnológicas apoiadas no vídeo e na fotografia. Por sua vez, sumidades da crítica modernanorte-americana como Clement Greenberg e Michael Fried, cujas análises de obrasse apoiavamem preceitos formais, não se interessaram pelas criações conceituaise, ao contrário do que tinham feito com a pintura abstrata nos anos 1950, se abstiveram de advogar em favor de qualquer prática artística. Desse modo, pode-se dizer que a produção pictórica dos anos 1970 ficou eclipsada por toda uma outra produção e sua morte, enfim,parecia irremediável.
Não obstante, como observaram Paul Wood e Francis Frascina“na história da arte moderna, o próprio fato da ausência de cultivo de uma área pode torná-la interessante para uma nova geração: os tempos mudam, e com eles, as necessidades.” [1] E desse modo, o início dos anos 1980, com a cena artística saturada de fotografias documentais, vídeos experimentais e obras efêmeras, compreende a pintura como um fôlego de renovação ou até, inovação. Explosões de cores, figuras, elementos gráficos e grandes formatos tomaram galerias e museus de assalto, atendendo tanto a uma geração de artistas que havia continuado a pensar pintura, quanto ao mercado, ansioso por fazer circular obras menos ‘insossas’ plasticamente. A década então se caracterizaria pelo seu pop declaradamente casual e por vezes fútil, e resgatava o labor da pintura e um certo caráter humanista que havia sido negligenciado na produção conceitual e minimalista.
E assim fomos até os anos 1990, quando novamente o mercado se satura de pintura e somos chacoalhados pela revolução das novas tecnologias da comunicação. Em meio às muitas novidades, o fenômeno dos anos 1970 parece que se repetiu fazendo com que mídias tradicionais de procedimentos artesanais, como é o caso da pintura, fossem preteridas pelo fascínio dos suportes digitais e eletrônicos. Porém, assim como já foi citado, o próprio fato da ausência de cultivo de uma área pode torná-la interessante. E é isso o que estamos vendo hoje. A pintura não morreu nem está sendo redescoberta; ela simplesmente nunca saiu de cena – e nem nunca sairá.
Neste momento em que superamos a era do multiculturalismo, os artistas partem de um começo próprio, não mais referindo suas pesquisas a bases ocidentais europeias, como foi toda a história da arte até a pós-modernidade. Nesse sentido, longe de buscarmos uma pintura brasileira ou internacional, o que presenciamos – e a exposição Investigações Pictóricas aponta para isso – é uma diversidade de temáticas, de referências, de procedimentos e técnicas que permeia toda a produção de arte atual, inclusive a pictórica, na qual o discurso não está precisamente atrelado a um questionamento ou referente único.
Então foi surpreendente olhar atentamente para a produção de pintura de artistas mais jovens, brasileiros, e perceber que o campo é amplo e oferece obras de qualidade e apuro. A seleção curatorial de Investigações Pictóricas foi apenas um recorte, mas espero que ela sirva para indicar que a pintura continua e continuará de pé, não importa o quanto digitais e cyborgs nos tornemos no futuro.