Revista Tatuí

Clique para imprimir

www.revistatatui.com.br

Uma certa produção de pintura

Escrito por Daniela Labra

No dia 7 de março de 2009 inaugurei, como curadora,a exposição coletiva Investigações Pictóricas, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC), no Rio de Janeiro. Como o nome diz, trata-se de uma exposição de pintura, a mídia mais tradicional relatada pela história da arte ocidental desde o século XV -época em que surge a nomenclatura. Trazer o tema à tona veio da vontade de examinar uma produção que se mantém viva e original, feita com paixão por artistas mais jovens, apesar da enxurrada de novas mídias que se vê na produção de arte desde os últimos quinze anos.

Falar de pintura nos tempos atuais pode ter duas faces, uma enfadonha e outra inovadora, pois ora oassunto é antiquado, ora é uma jóia atemporal à espera do redescobrimento.Por sorte,os fatos não são nem uma coisa, nem outra.

É notório que a pintura teve mortes e falências decretadas ao longo do século XX e, para compreender por que surgiu essa noção de ‘morte’, é preciso voltar uns 150 anos no tempo.Mesmo que corra o risco de ser rasteira, tentarei fazer esse retrospecto em poucos parágrafos.

O primeiro golpe na soberania da pintura como principal meio de representação da natureza até o século XIX,foi o advento da fotografia. Porém, enquanto que a função meramente representativa da pintura se enfraquecia, o suporte da tela começou, poucas décadas depois, a prestar-se para experimentações das vanguardas modernistas que buscavam novas possibilidades figurativasadiando-se, assim,a tal morte anunciada.

Contudo, é no final dos anos 1960, com a segunda onda vanguardista,que a pintura irá se tornarreferência de conservadorismo, uma vez que a tela não mais dava conta de tudo o que se queria pesquisar – e questionar. A arte se tornava política e filosófica, apresentada num campo expandido além do suporte objetual,num período marcado pela produção de obras tecnológicas apoiadas no vídeo e na fotografia. Por sua vez, sumidades da crítica modernanorte-americana como Clement Greenberg e Michael Fried, cujas análises de obrasse apoiavamem preceitos formais, não se interessaram pelas criações conceituaise, ao contrário do que tinham feito com a pintura abstrata nos anos 1950, se abstiveram de advogar em favor de qualquer prática artística. Desse modo, pode-se dizer que a produção pictórica dos anos 1970 ficou eclipsada por toda uma outra produção e sua morte, enfim,parecia irremediável.

Não obstante, como observaram Paul Wood e Francis Frascina“na história da arte moderna, o próprio fato da ausência de cultivo de uma área pode torná-la interessante para uma nova geração: os tempos mudam, e com eles, as necessidades.”   [1]    E desse modo, o início dos anos 1980, com a cena artística saturada de fotografias documentais, vídeos experimentais e obras efêmeras, compreende a pintura como um fôlego de renovação ou até, inovação. Explosões de cores, figuras, elementos gráficos e grandes formatos tomaram galerias e museus de assalto, atendendo tanto a uma geração de artistas que havia continuado a pensar pintura, quanto ao mercado, ansioso por fazer circular obras menos ‘insossas’ plasticamente. A década então se caracterizaria pelo seu pop declaradamente casual e por vezes fútil, e resgatava o labor da pintura e um certo caráter humanista que havia sido negligenciado na produção conceitual e minimalista.

E assim fomos até os anos 1990, quando novamente o mercado se satura de pintura e somos chacoalhados pela revolução das novas tecnologias da comunicação. Em meio às muitas novidades, o fenômeno dos anos 1970 parece que se repetiu fazendo com que mídias tradicionais de procedimentos artesanais, como é o caso da pintura, fossem preteridas pelo fascínio dos suportes digitais e eletrônicos. Porém, assim como já foi citado, o próprio fato da ausência de cultivo de uma área pode torná-la interessante. E é isso o que estamos vendo hoje. A pintura não morreu nem está sendo redescoberta; ela simplesmente nunca saiu de cena – e nem nunca sairá.

Neste momento em que superamos a era do multiculturalismo, os artistas partem de um começo próprio, não mais referindo suas pesquisas a bases ocidentais europeias, como foi toda a história da arte até a pós-modernidade. Nesse sentido, longe de buscarmos uma pintura brasileira ou internacional, o que presenciamos – e a exposição Investigações Pictóricas aponta para isso – é uma diversidade de temáticas, de referências, de procedimentos e técnicas que permeia toda a produção de arte atual, inclusive a pictórica, na qual o discurso não está precisamente atrelado a um questionamento ou referente único.

Então foi surpreendente olhar atentamente para a produção de pintura de artistas mais jovens, brasileiros, e perceber que o campo é amplo e oferece obras de qualidade e apuro. A seleção curatorial de Investigações Pictóricas foi apenas um recorte, mas espero que ela sirva para indicar que a pintura continua e continuará de pé, não importa o quanto digitais e cyborgs nos tornemos no futuro.

[1] — WOOD,  Paul; FRASCINA, Francis. Modernismo em Disputa – A arte desde os anos quarenta. São Paulo. Cosac & Naify, 1998.

Uma certa produção de pintura / Escrito por Daniela Labra / Revista Tatuí Edição 08 / www.revistatatui.com.br