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Eu gosto de arte. Até certo ponto. Recentemente percebi que levei anos como aprendiz: lendo, discutindo, argumentando, apreciando, pensando, praticando com o trabalho das pessoas até estar capacitado a chegar ao ponto que, para mim, realmente interessava: quando seus olhos e sua habilidade de análise estão preparados para fazer atrajetória exigida para ENTRAR em uma obra de arte. Tudo isso depende de muitos fatores: o que você conhece sobre arte mais o que pensa a respeito de religião e o que conhece sobre poesia/arquitetura/música, o que pensa sobre sexualidade, seu dia-a-dia, os livros queleu, seu pensamento livre, onde nasceu e cresceu o que você sabe a respeito de história da arte, gostos que adquiriu durante sua vida, trabalhos de arte que já viu/gostou/não gostou, os arquivos de imagens que guardana memória, os filmes que assistiu, o que fez hoje pela manhã e muito mais. AGORA você está pronto para realmente apreciar arte. Para descobrir obras onde não esperava encontrar arte, onde NADAtem a intenção de ser arte. Agora você está no negócio. Capaz de criar a arte “INSTANTÂNEA POR SI MESMA”. Não me leve a mal, é claro que ainda gosto de ver o trabalho de artistas, mas conforme vou ficando mais velho, gosto cada vez de menos trabalhos… Porém quando vejo um que gosto, eu ganho meu dia. Há alguns anos atrás eu estava na cidade de Belo Horizonte no Brasil, e fui com alguns amigos ao Museu da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer, localizado em um parque muito bonito afastado da cidade, para assistir a exposição de fotos de um artista muito conhecido. Não gostei da exibição – me pareceu ser o início do fim da fotografia. Pensei assim porque o artista mostrava algumas imagens de determinados objetos em cima de mesas e embaixo das mesas os próprios objetos… INTELIGENTE. Mas o mesmo aconteceu à pintura anos atrás… A fotografia, nesse caso, não estava satisfazendo mais como linguagem, era necessária uma ajuda de fora (nesse caso, debaixo). No caso da pintura, tinha que ser a pintura MAIS alguma coisa, como: a continuação da imagem na parede, pendurando objetos na superfície, até mesmo o uso de agulhas de acupuntura; colocar um banco na frente da tela e denominando o mesmo como “uma instalação”…
Seja como for, depois da exposição, entramos no carro e alguém mencionou que TÍNHAMOS que ir ao salão de festas, também de Niemeyer, no mesmo parque, mas do outro lado do lago. Quando chegamos lá, decepção… Havia um aviso na porta dizendo que um produto acabara de ser colocado no chão e que não poderíamos entrar. Então meus amigos foram se sentar sob uma árvore próxima enquanto eu resolvi jogar um pouco de conversa fora com o zelador, que estava junto do lago vestindo seu uniforme, PESCANDO — Oi – eu disse – que pena não podermos visitar o prédio… Sim – respondeu – ninguém pode entrar durante as próximas 24 horas… E, como ele estava pescando, perguntei: — Você já pescou algum peixe? E ele puxando o bambu com uma linha de nylon presa na ponta falou: NÃO TEM NENHUM ANZOL AQUI, SÓ ESTOU MATANDO O TEMPO… Droga! Esqueça a arte contemporânea, aquele cara estava pescando sem anzol. Definitivamente eu ganhei meu dia. Talvez ele estivesse pensando em sua infância ou no jogo de futebol que assistiu a noite passada quando seu time perdeu, ou apenas imaginando os peixes circulando ao redor daquela linha e pensando ‘que porcaria’…
Numa outra ocasião eu estava caminhando do meu apartamento para meu estúdio, que fica a duas quadras de distância, quando vi um carro caindo aos pedaços, completamente corroído pela ferrugem, cheio de buracos por toda parte e o seu proprietário trabalhando todo orgulhoso dando polimento no único “pé quadrado” do capô onde a pintura estava boa. TURBO POESIA.
Ainda, na mesma quadra, em outra ocasião, havia um velho varrendo a calçada, então subitamente ele parou o que estava fazendo, segurou uma árvore de tamanho médio com as duas mãos e começou a chacoalhar ela com toda sua força. GANHANDO TEMPO.
Essas estórias não são engraçadas. Para mim, elas são belas. São: a ARTE DO INSTANTE – não pretendem ser, mas o são…
Em minha opinião, quando um artista fala sobre seu trabalho, não deveria dizer alguma coisa como: NESSE TRABALHO A IDÉIA É BLÁ, BLÁ, BLÁ E ISSO SIGNIFICA/REPRESENTA: BLÁ, BLÁ, e tal. Um artista não tem que saber tudo sobre seu trabalho. Ele deve conhecer, a meu ver,a espinha dorsal, a coluna vertebral de seus pensamentos estética e conceitualmente. Na maioria das vezes pode ser muito desapontante ou aborrecido ouvir um artista falar sobre seu trabalho. Há muitos anos atrás, durante a Bienal de São Paulo havia um trabalho de um artista de Israel. Tentarei contar detalhadamente o que aconteceu: tinha um corredor onde podíamos ficar, e de cada um dos lados uma sala com um vidro bem grosso e forte e dentro de cada sala havia uma daquelas máquinas que lançam pratos para o treinamento de tiros com armas. Então o público ficava parado no corredor, sabendo que aquela máquina iria jogar um prato emnossa direção, mas mesmo sabendo que o vidro iria segurar o impacto do prato quando este viesse voando,todos ficavam com medo. BONITO, aquele cara estava falando sobre ANTECIPAÇÃO… É como ir ao médico para tomar uma injeção no traseiro… Você antecipa isso e sofre antecipadamente. Não é como tropeçar na rua calçando sandálias de dedo. Dói muito mais, mas você não estava esperando. Sem mencionar como antecipamos a morte… E então BAMMM, outro prato voando e as pessoas gritando. Dois dias depois o artista iria dar uma palestra e eu decidi ir… Ele parecia inteligente, prendeu a atenção de todos por 15 minutos e então…NAQUELE TRABALHO, A IDÉIA ERA REPRESENTAR COMO OS ATIRADORES DE JERUSALÉM ESTÃO O TEMPO TODO CORRENDO PERIGO. Cara, como eu preferi minha coisa da antecipação! Não que os atiradores, Jerusalém e perigo não fossem um bom material para a arte. Mas parece que o artista tem a palavra final e é isso aí. Não para mim.
Desculpem-me se estou escrevendo esses comentários. Eu mesmo odeio quando vou a algum lugar ea pessoa senta e LÊ. É porque o inglês não é minha primeira língua e eu prefiro ter tempo para sentar na frente do computador e escrever e re-escrever e talvez dessa maneira eu possa ser compreendido. Por essa razão estou pedindo para alguém ler isso para mim. Soará mais claro. Quando tenho que falar sobre meu trabalho sempre falo sobre um milhão de outras coisas antes de chegar ao ponto de mencionar meu trabalho por si só. Então, lá vou eu. Aqui está a palestra que dei em Baff durante minha residência lá em 1999:
“Meu trabalho é uma tentativa de gerar memória através da pintura.
Estou interessado em novas significações.
Meu trabalho lida com fricção, tensão, formas, superfícies, relações, construções.
Ser um pintor hoje em dia é como ser o advogado de um serial killer.
Vou mostrar 40 slides de trabalhos produzidos nos últimos 40 anos, em ordem cronológica. Eles serão mostrados de forma rápida e por isso vou considerar que esta é a minha primeira obra de vídeo-arte.”
Não entendo porque tantas pessoas enfatizam tanto a filosofia quando estão falando sobre arte. Parece que assim elas darão um aspecto sério sobre as coisas. A filosofia é, em minha opinião, UM dos aspectos que mencionei no início. Os dias de avant-garde terminaram, o pós-modernismo é hoje uma idéia antiga… A arte é muito mais algo baseado em experiências acumuladas. Ainda, eu não gosto de citar, nem de citações em geral. As pessoas tendem a citar apenas ALTOS PENSAMENTOS, pensando com isso estar acrescentando um aspecto sério e respeitável às coisas. Não que eu tenha a tendência de direcionar minhas ideias para o campo humorístico ou cínico– essa não é uma característica minha. Mas eu realmente estou inserido em INVENÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, ERRO, HABILIDADE, FALTA DE HABILIDADE, INTENÇÃO, FALTA DE INTENÇÃO, ESTADOS MENTAIS PECULIARES, ATMOSFERAS ESPECÍFICAS, VERTICALIZAÇÕES, O INESPERADO, O SIMPLES e uma lista enorme de coisas.
Tenho ministrado workshops de pintura uma tarde por semana durante os últimos 15 anos. Costumo pedir no primeiro dia a um novo estudante que ele me dê o nome de três pintores vivos que sejam de seu interesse. Também gosto de perguntar por que estão interessados em pintura, uma vez que, se tudo correr bem, levará uns 15 anos para conseguirem alguma coisa. SE tudo der certo. E depois de todos esses 15 anos ele irá descobrir que não será convidado para coisa nenhuma, enquanto seus amigos que começaram na mesma época fazendo outras coisas estão recusando compromissos por estarem com a agenda cheia. Também gosto de dizer que os problemas com pintura hoje em dia são três: COMO pintar, O QUE pintar e POR QUE pintar. Porque alguém deve trabalhar com uma mídia tão “pobre” (duas dimensões, altura e largura, e para simular três dimensões é necessário usar truques como perspectiva, luzes e sombras…)?Eu digo a eles, “por que vocês não tentam, digamos, INSTALAÇÃO, onde você possa usar fotos, música, escultura, peças, atores, vídeo, iluminação, literatura, design, blá, bláe TAMBÉM pintura?” E no final da primeira aula eu sempre termino tentando explicar que um artista NUNCA coloca alguma coisa em código para ser decodificada… Esqueça aquela sensação de UHU, EU ENTENDI. Ela não existe. Toda a compreensão vai depender muito mais daqueles fatores que foram mencionados anteriormente. Caso estejam procurando compreender. Mas é tão bonito NÃO tentar compreender… Para mim, a coisa mais difícil de ser explicada ou de tentar explicar é COMO UM ARTISTA PENSA… Para não mencionar que o MESMÍSSIMO trabalho pode ou não ser ARTE dependendo de quem o fez. Cara, eu admiro os alunos que voltam para a segunda aula…
De volta a 2003, pedi a Wayne Baerwaldt que escrevesse um ensaio para o livro que seria publicado na ocasião da 25ª Bienal de São Paulo. Ele me pediu uma declaração e aqui está exatamente o que eu enviei para ele por e-mail:
“Wayne, lá vamos nós. Em primeiro lugar, você recebeu as nove imagens que eu enviei? Porque o servidor está dizendo que um dos meus dois e-mails contendo as imagens não foi entregue.
Os trabalhos que serão mostrados na Bienal são sete, todos com cerca de 190X250 cm, todos na horizontal, óleo sobre tela, muito mais matéria do que antes, palheta muito estranha, estrutura mais complexa e de fato o que aconteceu é que dez anos atrás poucos elementos foram suspensos no espaço, depois lentamente começaram a se agrupar e se tocar, multiplicar cada vez mais as composições e agora eles não apenas se prendem uns aos outros como se sobrepõem e o resultado é mais montado, mais pintura. Ainda o objetivo principal é a meu ver gerar memória, criar uma situação realde pintura que será reconhecida mais tarde no mundo exterior. Minhas referências mais intensas infelizmente não são de pintores brasileiros, embora me sentisse bem se pudesse dizer que são. Essa é uma das razões pela qual a crítica local não sabe como ler meu trabalho, é como se eu tivesse caído de pára-quedas do céu, eles não conseguem catalogar meu trabalho, eles não se sentem seguros e,sob meu ponto de vista, não conseguem construir uma linhagem que é tão importante para a cultura de uma nação, Mas continuemos: claro que olhei (em diferentes momentos): Kline, Twombly, Jonathan Lasker, Terry Winters, Julian Schnabel,Giorgio Morandi, Tapies,e algumas pessoas dizem que minhas pinturas têm algo de Beatriz Milhazes (discordo, minha mão é mais pesada que a dela. O senso de composição é diferente, talvez o único ponto em comum seja no que tange ao FUNDO/FIGURA).
O uso da cor é novo. A palheta anteriormente havia sido limitada, para evitar a sedução através das próprias cores. Agora eu abuso de uma enorme possibilidade de cores muito diferentes. Um de meus estudantes morreu, e eu herdei todas as cores de suas tintas a óleo, a maioria delas eu nunca compraria e estou gostando muito. O processo é todo muito claro, o uso de cópias de má qualidade dá a chance de desconstruir o processo da pintura, no exato momento em que as decisões são tomadas.Tinta fresca se mistura e tinta sobre pintura seca deixa cicatrizes, justaposições, superposições. O resultado é menos gráfico, menos silencioso, mais afirmativo. Tudo isso é resultado de uma tentativa de deixar o trabalho renovado, de criar novos problemas a serem solucionados. Não uma declaração muito Professional Wayne, mas essa é a direção que o trabalho está tomando. Não antropofágica nem simulacra, nem nova mídia e não relacionada a si mesma.Ainda tentando trabalhar nesse espaço limitado bidimensional, esse espaço real, CONSTRUINDO UM UNIVERSO DE PINTURA. Trabalhando muito,com o intuitodecriar uma imagem que possa pertencer a si mesma.”
Tenho tido sorte e nesses quase 20 anos que tenho vindo para o Canadá conheci e fiz muitos amigos, alguns dos quais muito bons pintores: Eleanor Bond, Wanda Koop, Will Murray, Ryan Slugget, Ron Moppet, Chris Cran, Shary Boyle, Numa, apenas para mencionar alguns. Nenhum deles é o advogado do serial killer. Cada um deles solucionou o problema de COMO, O QUE E POR QUE pintar, da sua própria maneira. O que é bonito a respeito da pintura e deste problema para mim explica POR QUE algumas pessoas insistem em pintar, é que embora todos comecem a pintar devido ao prazer de misturar cores, ao desafio da tela branca ou mesmo de descobrir se ESTOU APTO A REPRODUZIR A VIDA REAL??? POSSO FAZER PINTURA ABSTRATA??? POSSO PASSAR UMA MENSAGEM??? Não tendo a menor ideia de qualquer conceito nem a coisa estética definida, a beleza PARA MIM é o fato de pertencer a uma tradição, fazer parte de alguma coisa que, de certa forma, é um dos pilares da história da arte, e que, se não for por qualquer outro motivo, já é suficiente.
Sei que parece terrível. Mas eu gosto de pintura… Sou pintor… As imagens são minhas, mas a IMAGEM POSTERIOR, esta já não me pertence mais. As pessoas tomarão controle sobre a imagem posterior, dependendo do que fizeram naquela manhã, do que elas gostam a respeito de poesia/música/cinema/, de seu dia-a-dia, estado emocional, os livros que leram, onde cresceram etc., e de certa maneira elas terminarão minha pintura, não apenas em suas retinas, mas em suas cabeças, como se editassem um vídeo em um computador, no modo cronológico, onde pudessem acrescentar, subtrair, reverter, usar câmera lenta, acelerar, inserir sequencias, narração e assim por diante, então eu lhes peço apenas um pequeno favor– pensem em acrescentar MÚSICA ALTA PARA ESSAS PINTURAS SILENCIOSAS.
Em julho passado eu participei do SLED ISLAND FESTIVAL em Calgary e tive a chance de assistir a um ótimo show de Mogwai, uma das minhas bandas preferidas. Depois de cada música, o cara da guitarra dizia com seu sotaque escocês: THANK YOU VERY MA
Então, só pra variar, eu vou citar: pela sua atenção, “THANK YOU VERY MA”.