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O e/ou surgiu da necessidade de trocas simbólicas e encontros presenciais entre artistas de Curitiba. Buscava-se a criação de um espaço/tempo vivencial e experimental para um certo grupo de pessoas, a fim de facilitar a conversa, a reflexão crítica, o compartilhamento de referências e oportunizar um campo aberto à realização de propostas e ações artísticas. Queríamos reforçar também o laço de amizade entre nós. Uma ação de base que desejava criar uma concepção de circuito de arte mais próxima aos nossos desejos e autônoma em relação ao circuito institucional local, desvinculada de seus parâmetros, valores, lógicas de acontecimento e relações de poder. Enfim, buscávamos criar e estabelecer nossas próprias bases relacionais e vivenciais. Afirmar nosso próprio campo de interesse e prática artísticos. Além disso, a partir da continuidade, do fortalecimento de nossos laços de experiência comum, procurávamos articular, quando oportunas, outras estratégias de diálogo com outros grupos – fossem locais, ou de outras cidades. Tenho comigo, nos pensamentos e no coração, que conseguimos trilhar esse mistério como um processo bastante revelador e gratificante. Ele contribuiu para um alargamento de nossas experiências humanas em variados sentidos: do aprimoramento do conhecimento, do amadurecimento das relações de amizade e também de uma inscrição criativa e crítica de diálogo social. Além da vital dinâmica interna do grupo ter sido reinventada satisfatoriamente entre os envolvidos, produzindo inclusive diversos rastros de produtos artísticos, nos jogamos também numa experiência na rua bastante rica, principalmente com a proposta Descartógrafos (dentro do projeto Galerias Subterrâneas – junho a agosto de 2008). Nela, vivenciamos um intenso diálogo com a população no sentido de repensarmos a cartografia da cidade a partir das memórias e experiências dos participantes – o público –, instaurando uma apropriação coletiva do nosso território, simbolicamente e na prática.
O grupo/fluxo e/ou teve diferentes configurações desde seu início, no final de 2005, quando chegou a ser composto por 8 membros: Ana González, Claudia Washington, Cristiane Bouger, Goto, Maria de Lourdes, Pedro Innocente & Lui Brenner, Tânia Bloomfield. Dentre os remanescentes daquele e/ou e os que se incorporaram durante o processo, ao final de 2008 o coletivo estava composto por Claudia Washington, Lúcio de Araújo e eu. No começo de 2009, os ritmos, as agendas e algumas outras relações espaço/temporais dos integrantes entraram num momento de desentrelaçamento, situação que levou o grupo a uma certa dissolução (não se sabe se definitiva ou temporária), com seus agentes articulando outras possibilidades práticas de atuação para si.
Claudia e Lúcio passaram a atuar mais como dupla, além de estarem também envolvidos em outras práticas coletivas, não só com o coletivo Orquestra Organismo (http://organismo.art.br/), do qual também fazem parte, como também em outras instâncias de interesse. Parte do que estão empreendendo tem seus registros publicados no site Trânsitos (http://transitos.org:99/ ).
E eu reorientei meu foco para os desdobramentos de algumas ações da epa! (entidade coletiva que coordeno desde 2001: http://newtongoto.wordpress.com/epa/), principalmente o projeto Circuitos Compartilhados (http://circuitoscompartilhados.org/wp/). Ainda que o Circuitos tenha também ele mesmo algumas dimensões de circuito artístico – conectando participantes e parceiros de diversas gerações e regiões do Brasil –, para mim essa ação acontece muito como um trabalho de pesquisa, produção e compartilhamento de acervo. Além dessa prática, estou também envolvido numa outra instância artística coletiva – essa mais experimental –, vivenciando uma troca simbólica entre artistas de Curitiba e de Belo Horizonte, uma tentativa de reconhecimento e diálogo entre cidades, num processo que pode ser denominado de “trocasurpresa” e que está em curso desde o início deste ano.
Quanto à origem do coletivo e/ou, um detalhamento dos fatos pode ainda ser assim relatado: em 2005 formou-se um grupo de artistas para discutir política cultural em Curitiba, um grupo focado numa participação junto à Câmara Setorial de Artes Visuais. Após o encaminhamento de nossas propostas ao fórum Federal mediado pelo MinC e Funarte (ideias que na época foram também postadas no site do Canal Contemporâneo: http://www.canalcontemporaneo.art.br/forum/viewtopic.php?t=50), sugeri aos artistas integrantes desse grupo que déssemos continuidade à nossa dinâmica coletiva num processo que fosse mais experimental e artístico. Disponibilizei a casa onde morava para ser a base para esses encontros. Da minha parte, já tinha envolvimento com diferentes instâncias de ações coletivas em arte fazia anos e, por isso, alimentava o desejo de empreender algum acontecimento coletivo de circuito artístico mais experimental e vivencial. Como o nosso grupo de discussão teve uma ótima dinâmica de convívio e trabalho – e havia aquele interesse comum associado à política cultural –, isso pareceu ser uma boa base de valor e liga humana para nos jogarmos numa experiência de outra ordem. E assim pareceu também ao grupo. Naquele momento alguns outros artistas foram convidados para complementar nossa rede de pessoas. Ainda que a casa (Casa e/ou) sempre tenha sido compreendida como uma base provisória, na prática, do final de 2005 a meados de 2008, ela acabou sendo o lugar privilegiado para os acontecimentos realizados.
No início do e/ou havia uma situação de transição em relação à referida casa. Ela esteve alugada entre 2002 e 2004, quando morei no Rio de Janeiro para fazer mestrado, e o contrato estava por findar em dezembro de 2005, mas eu só retornaria a residir nela em 2007. Como havia esse hiato de 1 ano para realizar a ocupação planejada, ao invés de renovar o contrato de aluguel, o momento de transição foi percebido como oportunidade para direcionar o uso da infra como base do coletivo em formação. E o espaço físico comum foi um facilitador do desenvolvimento das relações internas do grupo. Isso explica também parte das articulações no âmbito econômico que a partir daí se desdobraram, no sentido do autofinanciamento do e/ou. Resumindo: a estratégia que prevaleceu em relação ao espaço foi rachar os custos e serviços. Os acontecimentos que fizemos também tinham custos extras divididos e cada participante buscava resolver a produção de suas propostas específicas, contando com a colaboração de trabalho dos demais. Até 2008 não efetivamos nenhuma estratégia para entrada de recursos que custeassem as produções do coletivo, ainda que algumas ideias tivessem sido testadas. Entretanto, em 2008 surgiram algumas fontes econômicas para o grupo, com as participações no projeto Corpomeiolíngua (do coletivo Couve-Flor); a realização da proposta Descartógrafos, financiada pelo projeto Galerias Subterrâneas (coordenado pela epa!) – ambos projetos contemplados no Edital Conexão Artes Visuais/Funarte; e as participações nos projetos Arte em Circulação e Circuitos Compartilhados.
Em relação às programações desses 3 anos de atividade, em quase 2 anos e meio foram acontecimentos ocorridos principalmente na casa. Nos encontros que agregaram a maioria dos membros do grupo e que estiveram abertos ao público, quase sempre houve uma programação de vídeo, ações artísticas específicas propostas pelos integrantes do coletivo e também ações deflagradas por alguns convidados de cada acontecimento. Fogueiras, experiências gastronômicas e rituais musicais foram complementos estruturantes do ambiente e das vivências. Isso tudo caracterizou os encontros como algo bastante situacional, fluido, informal, experimental, propostas com tendências performáticas, happenings, arte relacional. Para além desses encontros agregadores e de caráter mais público, outros muitos fluxos paralelos e cotidianos também se desdobraram em trocas pontuais entre participantes do coletivo e em conversas pela internet mediante a lista [e-ou]. Entre julho e dezembro de 2007 o coletivo Orquestra Organismo esteve como convidado na coocupação da casa enquanto espaço de trabalho, interagindo profundamente com as ações do e/ou. Após esse período migrou em direção a um espaço próprio, o 8/8. Em 2008 o e/ou apoiou as realizações dos projetos Galerias Subterrâneas e Circuitos Compartilhados.
Dentre alguns desses principais encontros aglutinadores e acontecimentos:
– Descartógrafos (junho/julho/2008);
– Corpomeiolíngua (projeto do Couve-flor e sua etapa junto ao e/ou) (27/02, 01 e 07/03/2008);
– Exibição de vídeos (20/02/2008);
– Carnaval no e/ou com os anadrilhos da Expedición Donde Miras (03 a 05/02/2008);
– Inauguração da Sala de Reza e Mirações Mamelucovich (01 e 02/12/2007);
– Dia dos pós-mortos e Convescote (03/11/2007);
– Contramão no e/ou: acampamento…(29 e 30/09/2007);
– Sábado desprogramático (11/08/2007);
– Hospedagem do NBP (22/04/2007 a 22/11/2007) e NBP na Cachoeira dos Descartógrafos (22/11/2007);
– Geada (Orquestra Organismo + Ystilingue) (julho/agosto 2007);
– Abertura (26/08 e 02/09/2006);
– Pré-abertura: ddn – cwb – e/ou – 2006; Dia do nada (07/05/2006).
Outras ações e propostas relativas ao e/ou podem ser acessadas no site: http://e-ou.org/.
Ainda sobre o momento do surgimento do grupo, quanto à gênese do nome e/ou, a nomenclatura foi realocada de outra tentativa de ação coletiva da qual participei, ocorrida no início de 2005, que visava a elaboração de uma revista eletrônica chamada e/ou revista.net, de conteúdo artístico multiárea (artes visuais, literatura, música e teatro). Após algumas reuniões entre quatro amigos, um de cada área artística, e as respectivas sugestões de pauta, a revista acabou não acontecendo.
Já no portfolio do grupo, organizado no início de 2006, buscava-se uma reconceituação das práticas desejadas e nele estava escrito: “o nome e/ou é apropriado de expressão gramatical de língua portuguesa, misto de conjunção aditiva e alternativa. É o que o grupo quer para si mesmo enquanto coletivo que pensa e faz arte, ser algo que soma e agrega valor à vida (e); e/ou visualiza diferentes opções e perspectivas sobre o mundo (ou). e/ou.”
E assim tentava-se (tenta-se) definir o que foi e/ou é o e/ou: “e/ou é um fluxo coletivo de artistas focado na reflexão crítica sobre o circuito de arte e a sociedade contemporânea, contextos esses com os quais dialoga – ouvindo, propondo, fazendo derivas. e/ou uma estratégia crítica de autogestão cultural e de prática de circuito artístico e/ou uma conexão com outros coletivos de artistas, participantes e propositores. e/ou um espaço/tempo de trocas, intercâmbios culturais e encontro de pessoas”.