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A situação da arte contemporânea no Ceará é tratada, atualmente, tanto pelas instâncias públicas como pelos próprios artistas, com grande displicência, e eu me incluo nisso. Noutros momentos, articulações e experimentações em relação à cidade e à jovem produção foram ensaiadas nas instâncias governamental e independente. Foi um momento no qual até chegamos a ter a sensação de que algo interessante poderia brotar e de fato transformar a apática realidade em que estávamos inseridos. No entanto, nenhuma das ações teve uma continuidade –em alguns casos,por descuido; em outros, por pura falta de articulação. A questão é que não continuamos comprando a briga. Rendemo-nos a uma apatia particular de uma cidade em que nada se enraíza.
Acho errado esperarmos a todo tempo que o Estado resolva nossos problemas de carência de espaços expositivos, falta de mercado ou qualquer outra coisa que justifique a ausência de ações no campo das artes visuais. A questão: falta mesmo é desejo e articulação para fazer as coisas acontecerem. O desejo deve ser um carro condutor, o ativador da energia, o propulsor dos sonhos e a fonte da criatividade. Em um segundo momento, a partir da ativação do desejo, que está intimamente ligada à motivação e esperança, vem a articulação – ponto inicial de instauração da política no cotidiano. Política enquanto ação direta na instância pública.
Precisamos entender a política como algo mais simples, distante da politicagem; ela é uma forma de atuação social. Arte pode ser isto, além de ser também concretamente o diálogo e a criação de novas possibilidades do real. Criar estratégias para atuação artística é arte e é política. Às vezes, me parece que tudo aquilo que está ligado à ideia de atuação política foi desfeito nessa nossa geração,movida basicamente por uma apatia individualista, virtual e descentrada. Vivo isso e sei que não é fácil querer ser sujeito político em qualquer instância da vida hoje.Tudo se banalizou e as ações parecem datadas e sem ênfase. Nada parece fazer muito sentido. Mas ao prendermo-nos a rótulos, perdemos a possibilidade de ver coisas muito interessantes saírem do campo das ideias.
Em Fortaleza, o que vemos atualmente é um completo esvaziamento de tudo ligado às artes visuais. Os artistas que restam, que estariam no centro desse jogo, estão completamente dispersos e desestimulados. A maioria migrou por falta de ter o que fazer na cidade. Não temos um museu sério que crie possibilidade real de desenvolvimento e apresentação da produção; temos apenas um centro cultural aberto ao estímulo de produção em arte contemporânea, mas por ser único e pequeno, ele não dá conta de sustentar por muito tempo o desenvolvimento de cada artista. O Museu de Arte Contemporânea, que em outro momento ensaiou ser um espaço de pensamento e articulação entre os artistas, sendo referência na seriedade com que escolheu seus diretores, foi engolido pela politicagem pequena, coronelista e retrógrada típica do nordeste.
As poucas escolas de arte da cidade nunca conseguiram se desenvolver de fato e acabaram ficando restritas a uma formação em arte-educação e arte moderna, salvo um ou outro grupo de estudos que, a duras penas, busca arraigar algum espaço para o pensamento de arte contemporânea e suas relações com a cidade. No mais, vemos atualmente o surgimento de um novo Instituto de Artes na Universidade Federal e a criação de cursos superiores em cinema, dança e possivelmente teatro. Mas não há, ainda, nenhuma possibilidade real da criação de um curso em artes visuais, acredito que por falta de quem brigue por isso. Aí volta a necessidade de desejo e articulação.
Isso tudo nos tira as forças e faz com que aos poucos um por um dos artistas deixe o barco, parando de brigar por uma atuação artística na cidade, seguindo seus rumos em locais onde o meio já conta com uma complexidade própria e possibilidades reais de crescimento profissional. Não acho que esta seja a melhor saída, mas não julgo os que a fazem. Acho natural e os entendo, pois cansa lutar por algo que sabemos que não terá possibilidade de crescimento, visibilidade ou continuidade. Ao mesmo tempo, sabemos da importância de ações independentes: a força que elas podem ter junto às escolhas políticas; o estímulo à conscientização da necessidade de defendermos o fazer artístico junto à sociedade.
As políticas públicas para as artes no Ceará estão cada vez mais restritas a editais, estratégia delicada que requer uma reflexão particular. Por um lado, os editais dividem o bolão da verba destinada à cultura de maneira mais ou menos equânime entre as áreas. Por exemplo, em artes visuais temos pesquisa, exposição, publicação e circulação. Daí, uma comissão premia uma certa parcela de projetos a serem realizados durante o ano e dentro disso se conclui a política pública para as artes no estado. Os artistas, que não são muitos, ficam felizes, porque vez ou outra será um deles o felizardo a receber o bolão; os projetos ainda contam com uma certa flexibilidade no seu implemento. Isto, muitas vezes, acarreta um direcionamento totalmente diferente daquilo que fora inicialmente proposto, sem que esta alteração seja ao menos discutida. Pronto: temos um resultado concreto para constar nos autos do Governo e os artistas ficam quietinhos com sua fatia orçamentária particular garantida. E ai de quem ameaçar retirá-la!
Podemos perceber o quão cômodo é para o Governo manter esse tipo de política pública, pois no máximo eles só devem se preocupar com: a publicação de um edital (cheio de lacunas, por sinal); uma seleção cujos critérios são pouco discutidos; a prestação de contas. Com isso, se redimem de desenvolver ações direcionadas ao fomento e reflexão da produção ou ações formativas e de circulação. Para os artistas, isso também é cômodo, pois garante, em parte, sua produção individualneste curto espaço de tempo. Isto tudo me parece ser por vezes preguiça de pensarmos de maneira coletivista e projetiva.
O município, além de também ter se adequado à política de editais – o que duplicou o número de premiados anuais –mantém um salão falido, que a cada ano veste um modelo novo, seja na seleção ou nos espaços expositivos, mas que no final das contas continua com uma mostra desarticulada e mal tratada, montada como que de improviso em galerias capengas e locais equivocados. Por outro lado, é um pouco mais animador que nesta atual gestão municipal percebamos uma articulação política mais consciente das necessidades do desenvolvimento das artes visuais. Um projeto em desenvolvimento para o complexo Vila das Artes parece nos reservar algo de particularmente interessante; lógico, apenas se houver desejo político na destinação de verbas. Quem sabe, configure-se um novo lugar para encontros mais férteis.
O papel do Governo deveria ser necessariamente o de criar instituições mais fortes, que não se desfizessem a cada nova administração e que tivessem, na cidade, um papel ativador e propositivoao debate e às ações. A falta de críticos que ajudem a articular as relações entre artistas e instituições ou de meios de comunicações sérios, com profissionais melhor capacitados no desenvolvimento de uma reflexão construtiva, colabora com a inoperância do sistema. O processo é cíclico, sabemos. O momento de baixa nesse ciclo talvez tenha a importância da reflexão e da acumulação de forças, ambasvoltadas a uma possível transformação. Retornando ao início do texto, o desejo de ação, que seria o propulsor de alguma mudança, dá poucos sinais de vida entre os artistas e traz a questão de como reativá-lo, buscando em mim mesma forças para voltar acreditar em algo.