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A mostra Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come não é apenas um ambiente em si como, também, criou um ambiente em mim. Nele, uma sensação de que algo está inconcluso, sensação de suspensão. Meus movimentos dentro dela situaram-se sempre de um lado e de um lado outro – seu teórico oposto –, e, quando parei para pensar no que estava sentindo, percebi-me dividida. Eu, também, inconclusa.
Enquanto olhava o chão para observar o movimento das criaturas felpudas que, por sua contorção ligeira, saíam a caminhar, não podia, por outro lado, deixar de olhar para cima para ver o boi voar. Enquanto me deixava entristecer pela melancolia dos bichos empalhados, tomava, vez ou outra, sustos ao sentir meus pés sendo tocados por um objeto que ganhara vida. E de lado em lado fui passando pelos lados vários daquela exposição.
A dúvida me afligia, mas o que me dava prazer era a sensação de estar, simultaneamente, dentro e em volta dela. O privilégio de perceber a dúvida instaurada me agradava: o que era aquilo que se via, elogio ou ironia?
Se, por um lado, o exotismo e a beleza esbanjada das imagens e objetos de Christine Laquet me pareciam uma exaltação à nossa luxúria, o seu excesso ressoava em mim com grande tom de sarcasmo. Se, por outro, eu julgava encontrar poesia verdadeira em algumas partes da mostra, em outras eu via somente uma alusão estereotipada à cultura brasileira.
Eis que, ao olhar a única fotografia da exposição, com seu protagonista – o cavalo – identifiquei-me. Senti-me como ele: solto entre os mil espaços entre o chão e o céu, numa posição que era, ao mesmo tempo, caminhada, nadada e voada.
A paisagem negra que me sugeria o pano-de-fundo daquilo que naquele ambiente se passava parecia, apesar de panorâmica, inútil. A imagem que então me veio – a de que todos os elementos da exposição haviam fugido daquela paisagem – combinava comigo. Por um momento me considerei, também, foragida. E uma sensação de nostalgia perdida me chegou: eu não tinha saudades do meu país, que, ali, justo ali, eu reconhecia e não reconhecia.
Toda a melancolia desse sentimento revelava-se em uma ironia, a de que eu pensei, dia desses, que ali estaria para ver o Brasil pelos olhos de uma francesa. Quanta burrice a minha! Com tantas coisas para se ver, por que havia eu desejado um espelho cego? Ou melhor, um espelho que cegaria meu olhar?
Calei minhas burras expectativas de uma exposição cultural e, surpreendentemente, minha sensação de suspensão aumentou de forma avassaladora. Ainda que ostentasse um monótono caboclo-de-lança de madeira, o trabalho de Christine me levou para longe dos ready-mades culturais – incluindo nesse bolo a mim mesma. E, calada, ainda que com caderno e caneta em punho – na esperança de sobre aquilo escrever – fiquei a observar, do Pátio de São Pedro, as portas da exposição serem fechadas. A sensação de mistério, de suspensão, ainda me atormentava…
Lembrei que toda ‘ironia é o viés extremo da melancolia’. Em seguida, meu primeiro pensamento racional foi a lembrança de que se aproximava o período eleitoral.