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Será que, no contexto de um SPA de duração expandida, os artistas especialmente se interessaram pela questão do tempo?
Uma hora e meia
Com as madeixas circundadas por pedras de gelo, João Manoel Feliciano espera. Aguarda, em seu lento silêncio, a liquefação do que então é pedra. Sua performance Crystallus Capillus parece metaforizar a tendência à liquidez (e consequente caos e maleabilidade) do mundo e dos seres.
Seu corpo vivo aquece o gelo que, fazendo ver as relações de interdependência entre as partes do todo (artista-gelo-artista), reversamente esfria-se. Com o passar do tempo, a resistência do artista mostra sinais de exaustão: seu corpo treme, seus músculos fatigados e tensos já não o sustentam tão ereto quanto inicialmente, a respiração se aprofunda, a roupa encharca-se.
Em silêncio, observamos a também muda ação do tempo que, incapaz de produzir revoluções, vai apostando na continuidade das metamorfoses que se mantêm ininterruptas ao longo dos instantes.
A obra se faz no embate do artista com a matéria de seu próprio trabalho — a água em pedra, a água em fluido.
Dez minutos
Partilhando de similar embate entre a água e a resistência do corpo, o coletivo Soco na Pomba, em sua performance Dispositivo de Interação Combinada, faz com que sintamos o peso emudecido, ainda que angustiado, do tempo.
A partir de um objeto que, ligado às bocas e narizes dos três artistas do coletivo, conecta a respiração de todos de modo que, para que um possa inspirar, os outros dois precisem conter — por conta da água que lhes invade — sua respiração, a performance grita, através do corpo e ações daqueles artistas, que somos todos interdependentes.
A sobrevivência de todos depende da harmonia — inclusive respiratória — das interações travadas e, quando não resiste o equilíbrio, parte-se o sistema e finda-se a performance.
Em cerca de dez minutos, a interdependência pressionou demais o tempo dos corpos que, então, tudo que desejavam era um pouco de solidão — respiro.
Três minutos
Por três reais, três minutos de solidão eram comprados por Daniel Aragão em sua intervenção Solidão Pública.
Paradoxalmente, enquanto cada indivíduo vivenciava, também em silêncio, a solidão do tempo e do ser no mundo, o artista simultaneamente projetava (em telão em plena praça pública do centro da cidade) sua imagem, tornando pública e midiática a solitude.
E assim, mesmo que propositadamente isolados do mundo e dos outros, ficava metaforizada a real impossibilidade da utopia eremita. Somos, por fim, todos interdependentes. Entre nós mesmos e em relação ao tempo — como o gelo, o cabelo e o corpo de João Manoel Feliciano; como a respiração dos membros do Soco na Pomba; como os voluntários de Daniel Aragão que, na crua intimidade de seus eus, naquela noite impregnaram a cidade com um pouco mais de solidária solidão.