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Em nome da poesia que alguns artistas julgam ter a arte contemporânea bandonado, tem-se produzido trabalhos cujo propósito maior é embelezar e poetizar a vida. Nada contra — a intenção, nesses tempos de prazer mercadológico intenso, faz-se, inclusive, relevante. No entanto, abster-se de um engajamento ético maior não é ingenuidade — ou mediocridade — demais? Desconfio que alguns artistas têm utilizado tal discurso “poetizante” para mascarar reais dificuldades em criar imagens, ações e contextos cujos intuitos sejam muito mais do que somente (bobamente) meigos. E o SPA ‘07 foi um bom laboratório para esta minha desconfiança.
Balanços dependurados de árvores em praça pública é algo, sem dúvidas, afável [1] . Possibilita que convivam, momentaneamente, pessoas de origens diversas, oferecendo a elas um instante de descanso, distração, agrado e, com sorte, até mesmo de interação e diálogo. É bom pensar que “fizemos nossa parte” ao propiciar um momento de poesia no cotidiano de meia dúzia de indivíduos perdidos entre seus seis bilhões de pares. Ainda que saibamos que, em poucas horas, os balanços serão drasticamente retirados pelo dito “vandalismo” comum à nossa sociedade, satisfazemo-nos com a chance de ter propiciado um efêmero alívio de tensão a alguém. Enganamo-nos com um efeito mínimo — e terno, vale lembrar — de nossa arte quando, inversamente, poderíamos interpretar que seu grande resultado não é o de plantar meiguice mas, contrariamente, o de suscitar algum tipo de ação subversiva e violenta, que, entrópica e visceralmente, retira do convívio de todos aquilo que incomoda ou seduz — o tal “vandalismo”. Desse modo, ao preconizar a superficial meiguice fruída pelos pouquíssimos que participaram do trabalho, tal produção artística esquiva-se da mais crua questão: a apatia, a revolta e a indiferença de todos — todos — os outros. E tal abstenção é ética. É a escolha feita por uma arte que, ingênua e irresponsavelmente, creio, se põe a agradar.
Curioso é perceber que, inclusive formalmente, a intenção de tais artistas é, mesmo, agradar. Num período de árduas pesquisas formais em arte — da pintura à arte e tecnologia —, tais obras são realizadas com até mesmo pobres soluções. É este o caso, por exemplo, do empinamento coletivo de pipas impressas com uma imagem de dente-de-leão dourado [2] . Tal ação — realizada mediante o recolhimento de desejos (declarados em papel) dos passantes — almejava propiciar um doce momento de reativação de sonhos e de descontração. Frivolamente, no território- mor da burguesia recifense — a praia de Boa Viagem — se falava, comportada e silenciadamente, em esperança quando, ali próximo, num território praeiro outro — Brasília Teimosa — borbulhava a algazarra (sem “arte contemporânea”) daqueles que, por saberem-se na frustração da esperança, agarram-se ferozmente à curtição da realidade. Tal qual os balanços, as pipas, ao abster-se de tal realidade, fazem uma opção ética por estimular apenas o fácil contentamento. Preguiçosamente, evitam o confronto.
Assim, enquanto a intenção original era promover um momento de prazer desinteressado (de vínculos midiáticos e econômicos, sobretudo), a ação em si converte-se não num desvio dessa realidade mercadologicamente dominada, mas em seu implemento: propaga-se a feliz idéia de que, apesar dos pesares, o mundo vai bem. Uma arte, por exemplo, que enfatiza as amabilidades da vida em sociedade e da existência no mundo, ao privar-se de, ao menos simultaneamente, expor também seus conflitos coletivos e egocêntricos, engrossa o caldo dos discursos midiáticos que nos fazem tomar coca-cola como um ato revolucionário e necessário para bem da humanidade. Tal arte acaba por fazer apologia à ditadura dos discursos dominantes da sociedade.
É o caso, por fim, de um esdrúxulo caminho de “duendes” desenhados — traçado entre a Torre Malakoff e o prédio de ocupação do SPA [3] . Partindo do observatório astronômico da cidade, o caminho conduz aquele que o segue, tal qual Alice no País das Maravilhas, a um território “mágico” — o da arte contemporânea. Os duendes desde cedo avisam que aquilo é algo especial, transcendente e que, portanto, deve ser encarado com um olhar puro e bom — afinal, os duendes não têm tempo a perder.
Apelo para que deixemos de fantasia e caiamos na real, assumindo a responsaiblidade social de nossa arte, e não temendo em ir contra a cultura da felicidade pregada pelos meios de comunicação de massa. Basta desta meiguice displicentemente irresponsável, pálida e enjoativa. Eu quero é pancadaria!
[1] — Balançamdores, intervenção de Nivardo Victoriano Conrado Júnior (CE)
[2] — Jardim Suspenso, intervenção de Naná Janus e Pedro Jaranillo (SP)
[3] — Siga o duende!, intervenção de Anamaria Pinheiro, Tássia Rebelo e Vinícius Lucena (PE)