Revista Tatuí

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Uma questão de tempo

Escrito por Simone Cruz

No início, até que estava interessante. Todos queriam ver de que maneira Daniela Mattos iria interagir com os inúmeros objetos que, aparentemente desorganizados, abarrotavam a mesa à sua frente. Ela pega um batom, passa-o na boca e, num rompante neurastênico, ultrapassa as linhas dos lábios, esfregando o batom por quase todo o rosto. Depois, pega uma Polaroid e faz um auto-retrato. E assim vai: de batom em batom, de foto em foto, pegando um objeto aqui, outro ali, durante… uma hora e meia!!??

Aos quinze minutos de performance, ficou mais divertido observar a platéia. De curiosos e ansiosos, seus semblantes se transformaram em puro tédio. Dentro dos limites de cada um, os espectadores resistiram o quanto puderam – uns por educação, outros pela esperança de ver algo novo. Afinal, ela, a esperança, ainda é a última a morrer. Mas ela morre.

Os fotógrafos que faziam a cobertura do evento foram os primeiros a sair. Afinal, não havia muito a fotografar, visto a repetição das ações. Em seguida, os curiosos vindos da rua. Depois disso, a debandada foi geral, restando apenas poucos artistas, curadores e críticos. Entretanto, até esses terminaram desistindo. O pessoal preferiu assistir aos vídeos, projetados em telão na sala ao lado, e aproveitar o coquetel de lançamento do SPA das Artes.

A questão aqui não é só o longo período de duração da performance. Pois há trabalhos artísticos nos quais o tempo é fator determinante e influi diretamente no resultado. Não é este o caso. O tempo em nada acrescenta. Muito pelo contrário, ele rouba do trabalho sua potencialidade em se tornar algo significativo e o dilui. Sem falar da maneira extremamente caricatural que Daniela escolheu para expressar a neurose, a ansiedade e o isolamento do indivíduo que vive nas grandes cidades.

Ok. Sei que muitos irão erguer a bandeira de que “o mais importante é se o trabalho tem fundamentação teórica”. Sei também que deve haver muitos curadores querendo escrever um texto legitimando cada segundo gasto na performance. E até há quem levante a questão: “você sabe de quem ela é namorada?”, como se a relação pessoal e íntima que travamos com outros artistas fosse garantia de um trabalho bem realizado.

Certamente, há uma fundamentação teórica. Bom, pelo menos assim espero. A questão, contudo, que quero levantar é que nem sempre uma obra artística bem realizada no campo teórico consegue repetir o mesmo desempenho na prática. É quando a concepção é boa, mas o resultado plástico não. Pois é. Acontece. Para evitar que uma oportunidade de mostrar seu trabalho seja desperdiçada, o artista – falo aqui de maneira geral – deve ter mais paciência e não se contentar com a primeira idéia que surge em sua mente ao dar plasticidade à sua obra. Veja bem, não estou afirmando que foi o que aconteceu com Daniela. Mas, em todo caso, sugiro à artista – com todo respeito – que, se for repetir a performance, gaste mais tempo com o tempo.

Uma questão de tempo / Escrito por Simone Cruz / Revista Tatuí Edição 03 / www.revistatatui.com.br