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Vejo que a dificuldade de muitos em fruir uma obra de arte é a ansiedade por total compreensão. Já vi quem chamasse algumas obras de arte pouco inteligentes porque lhes foram vedado o caminho imediato. Ora, pouco inteligente não seria preferir a exatidão, o caminho finito? Quanto a mim, prefiro o percurso continuado e em espiral de um nunca chegar.
Acredito que Marco Amador – Cursos de Paulo Meira é uma criação inteligente, mas, pouco inteligível (do Aurélio “que se compreende bem; inserido em um sistema de significações ou relações lógicas já conhecidas”). Um trabalho que requer muitas voltas ao seu redor. A impressão é de que sempre se chega ao mesmo lugar, mas não. Andiamo.
A obra transita entre o melancólico e o patético e fica assim: indefinido. Marco Amador é uma fábula de um homem submisso a um contexto que ele mesmo criou. Deixou-se cegar. E, de olhos vendados, fez-se regra de um jogo sem escopo e não se dá saber o porquê. Eis a armadilha. Stupido (?).
Parece-me que Marco Amador é uma das melhores metáforas da vida contemporânea. Um ser sem ser (sem identidade), um refém do seu próprio embaraço: pôs sua vida em confiança de um palhaço pavoroso, e o jeito é seguir; concluir os cursos programados. Ao andar cego e desengonçado, para ele: uma pequena queda d’água vira cachoeira; bosque logo se transforma em floresta; ruína de uma pequena edificação torna-se castelo; e um simples terreno rochoso, abismo. Soa como alguns dos filmes do Tim Burton: temas para adultos com imaginário infantil.
Sei que muitos quando se deparam com um texto crítico esperam o “sim” ou o “não”. O que a obra quer dizer? Ela é boa ou ruim? E, no entanto, a obra só tem a dizer àqueles que têm ouvidos para. E se ela lhes fala, então, terão condições de responder a si mesmos se é boa ou ruim. Se querem minha opinião: obra boa é aquela que me faz querer calar para ouvi-la. Existem trabalhos que acabam nos desagradando ou pelo conteúdo ou pela forma, ou por ambos. Mas se forem capazes de gerar pensamentos reflexivos… Conseguimos apaziguar pelo menos uma questão.
Intriga-me a imagem de Paulo Meira destruindo réplicas de sua cabeça — que também estão de olhos vendados. As tentativas, as repetições levam-nos a acreditar que não haverá um fim. E que a sua sina é continuar nessa esquizofrenia de destruir-se a si mesmo. É o ter que – ainda que haja a possibilidade do chegar a lugar nenhum. Vontade de destruir a situação presente e perene. Destruir sua própria cegueira. Destruir a cabeça-feita e libertar pássaros-pensamentos. Pássaros têm melhor senso de direção…
O que a obra quer dizer? Bom, essa é uma questão que não posso lhes dar por resolvida. Confesso que em Marco Amador – Cursos ainda existem muitas imagens que não consigo absorver – como o olho na mão do narrador, ou o garçom albino. Eu ainda tenho muito a percorrer. Fazer-me dar tantas voltas quanto eu achar necessárias. Perceber possibilidades ao caminhar naquele emaranhado de estradas-significados, e por fim, ganhar o certificado: participou do curso “crítico de arte não sabe nada, mas finge que”.
Recomendo que façam seus próprios cursos. Certifiquem-se.