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O timeline era composto de vídeos distintos e contínuos.O grupo que idealizou e realizou o projeto afirmou não haver uma preocupação com o diálogo dos vídeos entre si. Mas que em certas ocasiões funcionava como tal.A maioria dos vídeos nos levava a um jogo de imagens abstratas em que se podiam perceber formas,cores,ritmos.
O belo espetáculo podia ser visto pelos passantes habituais – também os esporádicos e inéditos – imersos no burburinho daquela parte comercial da cidade; era só permitir-se mudar o olhar – para cima.
As quatro projeções se relacionavam aos pares – as duas primeiras:um,e as duas últimas: outro.O par era um recorte de uma mesma imagem – as duas projeções criavam uma imagem contínua – que poderia repetir-se,ou não,no par abaixo.
Alguns dos vídeos revelam-nos uma herança clara de Nam June Paik (considerado o pai do vídeo-arte). Cores que dançam, o ritmo. A câmera estática que registra o fluir efêmero de uma bolha de água. O vídeo em que aparece um rapaz de preto fazendo movimento de braços e pernas nos remete à dança contemporânea de Merce Cunningham – que já fez vídeo com Paik.
Um dos vídeos assistidos com mais entusiasmo foi o que chamei a estética do fogo.O vídeo brincava com inúmeras possibilidades: vibração, cor, frequência. Mais uma vez foi feito o uso da câmera estática.A primeira parte foi feita com uso do espelho. O reflexo simétrico da chama permitia a criação de imagens orgânicas de beleza singular.
Algumas dessas imagens – do fogo – foram manipuladas digitalmente; ora, eram transformadas em mosaicos, ora espirais que vibravam, ora uma pintura fluida azulada. Muitas possibilidades que partiam de uma única realidade: um pouco de algo em combustão.
Ainda houve vídeos que revelavam a estética da cidade.Um mostrava a rapidez, o trânsito, os automóveis, a paisagem urbana através de uma imagem colorida e que só dava para perceber silhuetas dessas coisas.Outro brincava com a simetria – outra vez, o espelho – de imagens feitas dos monumentos de cidades que não dava para identificar ao certo de onde eram. Outros vídeos sobre futebol, natureza e jogos de palavras completavam o repertório.
O que se pretendia não era uma narrativa, mas tão somente o prazer pleno do olhar.A preocupação era de que tanto os que paravam para assistir como os que passavam apressadamente andando pelas calçadas, e dentro dos ônibus, pudessem fruir daquele cinema inusitado.
O (im)previsto: problemas de configuração dos projetores e chuva: a frustração para os idealizadores.O Cinema Vertical não se deu perfeitamente como o grupo havia programado.A configuração como estava alterou a coloração dos vídeos; a chuva danificou um dos projetores e o que era par tornou-se ímpar; modificou a proposta inicial, mas não maculou a beleza do que acontecia.
O prazer dos olhos [1] . O Cinema Vertical [2] é uma daquelas portas que convidam a qualquer um a adentrar no mundo inimaginável da arte contemporânea – por vezes tão rejeitada e temida.E por ter acontecido no início do SPA – Semana de Artes Visuais do Recife, era um aviso de que muitos outros prazeres estavam por vir.
[1] — “O prazer dos olhos” é o título do livro de François Truffaut.Uma coletânea de artigos sobre cinema.
[2] — Grupo TV Primavera